O que é Moda?

“I noticed that there’s a piece of you in how I dress” by Harry Styles, Cherry (2019)

Nem todos somos fashionistas. Nem todos nos preocupamos assim tanto com o nosso estilo ou achamos assim tão relevante escolher uma ou outra t-shirt para vestir naquele dia. Alguns de nós também não se preocupam assim tanto com a roupa e mandam tudo para dentro da máquina, o que interessa é que fique lavado. Mas uma coisa temos em comum: todos nos vestimos. E por isso não há como negar, todos fazemos parte da indústria da moda e todos fazemos Moda.

Todos os dias nos levantamos de manhã, uns mais nus do que outros, mas independentemente do estado de nudez que cada um de nós escolhe para dormir, no que toca à vida fora da cama é rotina que vestir-nos seja das primeiras coisas que fazemos. Quando perguntei a amigos e conhecidos nas redes sociais o que é para eles a moda, quase todos disseram “uma forma de expressão” e alguns até mencionaram palavras como “liberdade” e “criatividade”. Mas esta não é uma pergunta em que pensemos intencionalmente com regularidade. O ato de nos vestirmos de manhã é rotineiro e quase instintivo, mesmo que uns dias demore mais do que outros. 

Ao contrário do que a indústria nos quer fazer acreditar, quando nos vestimos de manhã, as escolhas que fazemos têm muito pouco a ver com o que “está na moda”. São as escolhas que fazemos ao vestir-nos todos os dias que fazem Moda. Muitos fatores pesam nessas escolhas: onde vamos, com quem vamos estar, o que vamos fazer, que tempo está (será que vai aquecer?), para onde vamos depois,… Mas o principal fator é mais íntimo do que lhe damos crédito: estx sou eu? Estou confortável? E o conforto é tido aqui com um sentido duplo, físico e mental – é um estado de espírito.

Mais uma vez, vestir tem pouco a ver com o que está na moda e tem muito a ver com a nossa identidade, a nossa imagem de nós próprios e como nos queremos mostrar socialmente. Nós próprios escolhemos o que expôr e o que esconder quando nos vestimos (seja formas físicas ou emocionais), e negociamos internamente o equilíbrio entre a nossa imagem “ideal” de nós próprios e o que achamos que os outros irão interpretar – nuns dias uma coisa pesa mais do que a outra, noutros o inverso acontece. Este processo, tal como a construção da nossa identidade, não é regular e muito menos conciso, daí alguns dias sermos super rápidos e noutros parecer que nada dá com nada e “não temos nada para vestir” mesmo com o armário cheio. As escolhas que fazemos refletem a necessidade que temos de nos sentir incluídos e simultaneamente nos destacarmos, nos sentirmos únicos

Portanto, a roupa é deveras importante na nossa vida. É dos primeiros processos criativos do nosso dia e está intrinsecamente ligada à nossa imagem de nós próprios. Se pensarmos nas nossas peças de roupa preferidas, muitas vezes o motivo que lhes dá esse título nada tem a ver com a sua marca, o preço ou o seu design, mas sim com as memórias que a elas associamos ou como elas nos fazem sentir. 

Procuro com isto dizer que, consciente ou inconscientemente, temos uma relação muito íntima com aquilo que vestimos. Temos de lhe dar o devido valor, seja a cuidar das peças de roupa de modo a prolongar a sua vida o máximo possível ou a dar-lhes um novo lar quando a nossa relação termina, seja no início do processo quando as adquirimos e as escolhemos como a Nossa roupa. A indústria gosta(va) de nos fazer acreditar que o segredo para a melhor moda e um estilo que nos fica bem (e nos faz sentir bem?) é comprar: é as peças da nova estação e os #musthave, está lá a próxima peça que vais comprar e se levares mais outra e outra ainda vais ficar melhor, e para a semana há peças novas, volta que vais gostar, e a seguir há mais e depois também. Na realidade, quem decide o que é (a melhor e mais confortável) moda somos nós, todos os dias de manhã quando nos vestimos, e para isso basta tudo o que já temos no nosso armário.

Claro que às vezes precisamos de roupa “nova” – nova entre aspas porque podemos comprar roupa em segunda mão ou vintage ou até trocar com amigos e família, é roupa nova no nosso armário, sem ser nova no seu ciclo de vida. Mas independentemente de como a adquirimos, quando procuramos roupa “nova” para o nosso armário devemos ter em mente o valor de que antes falava. Porque mesmo quando as peças são novas da loja em 1º mão, já muitas mãos lhes tocaram antes de elas chegarem até nós. Quando compramos devemos fazê-lo de modo consciente, no fim de contas estamos a adicionar um item valioso às nossas ferramentas de expressão. 

Moda é aquilo que cada um de nós faz quando nos vestimos. Moda é expressão, é identidade – individual e colectiva. Moda é comunicação, cultura, sociedade. Moda é arte e é política. As escolhas que fazemos quando nos vestimos são mais pessoais e íntimas do que preocupadas em seguir tendências. E como diz o Harry Styles na sua música “Cherry”: “I noticed that there’s a piece of you in how I dress” (tradução: “Notei que há uma parte de ti em como me visto”), é incrível ver que, tal como a nossa personalidade é marcada por certas pessoas e acontecimentos também o nosso guarda roupa guarda esses sentimentos ou memórias. E é bom não esquecer que nós temos memórias com a nossa roupa a partir do momento que ela nos chega, mas ela tem história antes de nós e trás nela traços e memórias anteriores que devem ser reconhecidos e valorizados.